quarta-feira, 23 de maio de 2007

...

(Modigliani)



vergonha
redoma
sem corpo
menina
tristonha
sem chama
and shame
só chama
e geme
de culpa
e pede
desculpa
e sonha
absurda
se pega
absorta
e peca
sem dona
e morre
vergonha
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toque



pele, toque
queratina, célula morta que aviva
abraço, carícia
coito, tapa
altas temperaturas, febre, gorduras trocadas
tato, impressões massageadas
exame médico, toque
necessidade, toque
desejo, toque
espinhas espremidas, toque
limpeza de bebê, toque
toque, TOC
.
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...

noutro dia voei
sobre telhados
e homens telhados

vi os sobres da maldade humana
vi os pódios de toda vaidade construída;

vi as birras das mães aflitas
e os broncas das malcriações;

vi os cofrinhos quebrados
e os quebrados cofrinhos;

vi as inocências dos pedófilos
e as libidos dos abusados;

vi os suores das freiras
e os onanismos dos padres;

vi as televisões e carnês,
felizes e custosos;

vi os pagodes dos intelectuais,
e os cafés das menininhas;

vi as disfunções dos garanhões
e os pudores das prostitutas;

vi o cú das esposas dos medievais,
e as diarréias dos cristos.

noutro dia voei
sobre destelhados...

... me caiu uma telha!
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eu

(Mulher no espelho, Picasso)



moreno óculos
pixaim escondido-preto
tamanho nem lá nem cá
posições nem lá nem cá
paixões pra lá; de bagdá,
um lugar
[lugar]
sou aventureiro
[de poltrona] e de pesar
no que tange espelhos
sou bipolar
ora beijo ora grito
sou engraçado e difícil
meio pierrô meio bobo; da corte,
o flerte
sou de muitos flertes
e de poucos cigarros
ouço muita música [de fora]
demais não têm partitura
sou assim, meio deus meio bandinha de rock:
o que sou; como sou!
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segunda-feira, 21 de maio de 2007

E se pudesse esquecer?

("Brilho eterno de uma mente sem lembranças", EUA, 2004)


Imagino se me fosse possível esquecer coisas ruins. Imagino se pudesse apagar da memória momentos desagradáveis. Coisas ruins e momentos desagradáveis. São como fantasmas. Uma mente livre de culpas. Uma mente sem lembranças. Faria uma lista das coisas a serem esquecidas :

A última briga com minha mãe, As noites-quase-madrugadas em que não queria ir pra casa e sabia, aliás, que não queria um a lugar algum, A foto da menina com choro feio e triste correndo de uma bomba, A penúltima briga com minha mãe, Os urubus apressados da África, A discussão que tive com um amigo de infância por causa de um desfiado em minha camiseta, Todas as brigas com minha mãe, Fogueiras que acendi, gentes que coloquei nas fogueiras e a sensação de realização decorrente disso tudo, Os uniforme listrados que comprei pros não-puros, Papo triste do veado da esquina, O kilo de alimento que não dei, As togas e capuzes brancos que usei pra manter a ordem,
As cruzes cruzadas com espadas que meus ideais santos me batalharam, A abstinência viciada que me dopa, Ópio do povo, sejam eles o que forem, se ópio mesmo ou não, A minha ansiedade, fuga, As noites de dormir cedo, fuga, As carreirinhas, fuga, Aos terços e auto-batismos, fuga, A fuga e toda ela,
Toda noite mal dormida, Todo pau-oco de santo, Todas as meias verdades, e as mentiras verdadeiras de um domingo,
Os Reichs de cem anos, A rosas cancerígenas, O petróleo que achei no quintal do vizinho, O verde de tuas janelas, e o céu cinza, O quarto poder e todo romantismo burguês, O golpe a que dei o nome de revolução, O paraíso que comprei com o paraíso que vendi, As mães das praças de maio, junho, julho, Você,
[Esqueceria ainda] o se e o então, Causa e efeito, A objetividade e seu prefixo pseudo, O meu jaleco branco, Toda a relatividade e a necessidade dialética, O além-físico.
Esqueceria, abandonaria tudo, sim. E, ao fim, sem esquecimentos, não seria mais eu.

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quarta-feira, 16 de maio de 2007

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(Narciso, caravaggio)


agora entendo narciso
o danado ficou e ficou
vendo sua imagem
reflexada na água

- Mas o reflexo da água
é turvo?

pois o turvo da água
desentortou o turvo de si
- de narciso
sem o turvo
ficamos lindos

- queria ter o olhos turvos!
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contradição

gosto de contradição
ora gosto
ora não


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terça-feira, 15 de maio de 2007

as retiscências

Elas se colocam no meio da comunicação de um e outro. Não no meio, no inside. Elas são atores kabukados. De alegres em tristes, e o contrário, e etcetera. As reticências são a criação alinguística da linguagem. É a quimera lacaniana. É a pedra de tropeço – e de toque – semiótica. A ânsia toda do inconsciente.
As reticências são o gritado do silêncio. É o não-dito e, porém, o que mais fala. É o momento mais eloqüente do discurso e ocorre no silêncio. O rosto corado e encabulado da retórica. É a volta para o macaco. Depois da ida, necessariamente.
Eu as amo. Para ama-las é preciso de olhos. De ouvidos. De sentidos – com toda semântica desejada. De escapes...
Como a árvore na avenida são joão. Como a nona de dó em iron maiden. Como passadeira em fashion week. De tão extravagante, mora no não aparente.
Nos lapsos...
Nos desejos...
Na poesia...


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segunda-feira, 14 de maio de 2007

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acordo da natureza:
é um erro saber
o que se é!
deve-se apenas
ser o que se é.

e nisso acerto, eu
errante anônimo
e ignorante de mim mesmo


sigo
sendo...
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